Bem vindo

A matemática é a melhor linguagem inventada pela Humanidade para descrever a natureza. Com a possibilidade de descrevê-la, o ser humano passa a dominá-la e transformá-la de maneira a desenvolver um modo de vida sem precedentes - a tal ponto, muitas vezes, que a própria realidade chega a superar a ficção. Nós, que cultivamos desde o nascimento um modo de vida sedentário, cuja manutenção se vale cada vez mais da tecnologia, temos uma imensa dívida de gratidão com todos os que contribuiram com seu desenvolvimento e divulgação.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O jogo de xadrez

Conta-se que existia, em certa região da Índia, há muito tempo atrás, uma província de hábitos beligerantes chamada Taligana, cujo rei se chamava Iadava. Certa vez, atendendo a uma de suas demandas de guerra, seu único filho foi enviado a uma campanha e, como é comum aos destemidos guerreiros no cumprimento de seu dever marcial, sofreu baixa. Isso determinou que o rei de Taligana se precipitasse em profundíssima depressão.
Após algum tempo, apareceu um hindu, súdito do reino de Iadava, que se anunciara como alguém que traria a cura para a tristeza do soberano de sua pátria. Esse homem, cujo nome era Lahur Sessa, trazia, na verdade, um jogo com traços muito próximos do que hoje chamamos de xadrez (na verdade, apenas algumas peças e alguns movimentos se diferenciavam do jogo que conhecemos hoje por xadrez).
De fato, o jogo de Sessa constituiu entretenimento tão eficiente à restituição emocional de Iadava, que o soberano se sentiu imensamente inclinado a retribuir-lhe da maneira como Sessa o desejasse. Esse, explicando ao rei que qualquer coisa além da satisfação de seu governante seria empenho supérfluo, foi “reverentemente” desdenhado pelo monarca.
Assim, Sessa acabou sucumbindo, para o bem de sua reputação de bom súdito, à sugestão do rei: pediu como paga de sua “façanha” uma porção de trigo que deveria ser acumulada colocando-se um grão na primeira casa do tabuleiro de seu jogo, dois grãos na segunda, quatro grãos na terceira, sempre dobrando na próxima casa a partida da casa anterior (lembrar que o tabuleiro de xadrez possui 64 casas). O rei confessou sua admiração pelo desapego material de Sessa, mas também foi franco ao lembrar que aquela porção constituiria uma saca tão insignificante, que provavelmente não fosse capaz de matar sequer a fome de um mendigo ao longo de alguns dias.
De qualquer modo, acabou expedindo ordens aos calculistas do reino para que o pedido de Sessa fosse prontamente atendido. Quando voltaram para informar o rei sobre a quantia de trigo que caberia ao engenhoso súdito, um deles começou a dizer atônito:
_ Senhor de Taligana, fizemos e refizemos várias vezes o cálculo do pagamento de Lahur Sessa e chegamos à conclusão de que jamais poderemos pagá-lo; a quantia de trigo que lhe cabe constituiria uma montanha de trigo que, tendo por base a província de Taligana, teria também uma altura cem vezes maior que a do Himalaia. Para cultivarmos essa quantidade de trigo, teríamos que dedicar cada espaço de nossa província, inclusive aquelas que abrigam as moradias de nossos habitantes. Mesmo assim, séculos não seriam suficientes para o alcance de nosso intento.
Iadava olhou aflito para Sessa sem saber o que lhe dizer, pois humilhava-o imensamente faltar com a palavra empenhada em qualquer circunstância. Não porque fosse honesto, mas principalmente porque preservava sua reputação a acicate de sua soberba.
Aqui, vale a pena transcrever fielmente as palavras de Sessa em resposta às súplicas silenciosas de seu soberano para que fosse perdoado, conforme consta na obra O Homem que Calculava, de Malba Tahan:
_ “Meditai, ó rei, sobre a grande verdade que os brâmanes prudentes tantas vezes repetem: Os homens mais avisados iludem-se, não só diante da aparência enganadora dos números, mas também com a falsa modéstia dos ambiciosos. Infeliz daquele que toma sobre os ombros o compromisso de honra por uma dívida cuja grandeza não pode avaliar com a tábua de cálculo de sua própria argúcia. Mais avisado é o que muito pondera e pouco promete! Após ligeira pausa, acrescentou: _ Menos aprendemos com a ciência vã dos brâmanes do que com a experiência direta da vida e as suas lições de todo o dia, a toda hora desdenhadas! O homem que mais vive, mais sujeito está às inquietações morais, mesmo que não as queira. Achar-se-á ora triste ora alegre; hoje fervoroso, amanhã tíbio; já ativo, já preguiçoso; a compostura alternará com a leviandade. Só o verdadeiro sábio, instruído nas regras espirituais eleva-se acima dessas vicissitudes, paira por sobre todas essas alternativas”.
As palavras de Sessa remeteram o soberano a profunda reflexão. Iadava nomeou Sessa como seu primeiro-vizir e, enquanto o inventor do jogo de xadrez entretinha o rei, aconselhava-o sobre importantes decisões relacionadas à província, seguindo assim pelo resto de sua vida para o regozijo de seu povo e glória de sua pátria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário